Passadas as eleições presidenciais, parece que estamos todos acordando de um estupor coletivo. Acordávamos só pra comentar a insanidade mais recente do presidente e brigar por alguma pauta obscura, por exemplo, se carros devem ter cadeirinhas de bebê ou não.
O problema é que a discussão no congresso raramente é parecida com a do twitter. Os votos, muitas vezes, não correspondem aos discursos de campanha. Na prática, políticos que parecem rivais ideológicos têm muito em comum.
Este ano, elegemos um congresso que parece polarizado, à primeira vista, mas os congressistas têm, pelo menos, uma coisa em comum: o desprezo pela responsabilidade fiscal.
Respeito com dinheiro público não é uma pauta popular no Brasil. Congressistas têm o hábito de aprovar projetos que implicam em gastos muito altos sem pensar nas consequências. Exemplo recente é o piso nacional da enfermagem, criado sem fonte de custeio, gerando riscos tão grandes para o sistema de saúde que foi suspenso pelo STF. O projeto foi aprovado com 449 votos a 12. PT, PL, PDT, Republicanos, PSOL e União votaram juntos a favor do projeto, mesmo após representantes das Santa Casas informarem que não tinham capacidade de pagar o piso.
Antes disso, em 2021, a Câmara aprovou um projeto que dificulta a punição de políticos acusados de improbidade administrativa. Mais uma vez, políticos de linhas bastante diferentes se uniram em torno de um objetivo comum: 17 partidos orientaram o voto positivo, incluindo PT e PL.
O orçamento secreto, que foi descrito pelo Congresso em Foco como o maior esquema de corrupção da história, praticamente não foi discutido a sério nessas eleições. Quando mencionado, foi usado apenas para atacar o governo Bolsonaro, quase sempre ignorando os deputados do “Centrão”, essenciais para a sua existência, ou o senador do PT que deu o voto decisivo para a aprovação do esquema. O parlamentar ganhou até nota de repúdio no site do PT, mas ainda foi candidato ao governo de Sergipe pelo partido, indo até o segundo turno com 44% dos votos válidos no estado.
Nenhum desses problemas são secretos. Não se tratam de acontecimentos na surdina. Todos foram comentados em jornais de grande circulação. Porém, o interesse do eleitor, este ano, não estava em propostas, não estava em ideias, e sim, em times.
O resultado é que, nessas eleições, todos nós perdemos. Se tivéssemos debatido ideias, talvez tivéssemos percebido que o grande debate se deu de frente para o espelho.