Bolsonaro e as mulheres ‘praticamente integradas’

Artigo publicado originalmente em O Globo. Confira na íntegra aqui.

Não, senhor presidente. Não estamos praticamente integradas à sociedade. Olhe para seu governo: em todo o seu ministério, temos apenas três mulheres. Aliás, contra todas as evidências, já que diversas métricas e estatísticas indicam que somos governantes muito mais eficientes. Mesmo assim, ainda enfrentamos uma injustificada sub-representação no Congresso Nacional de 15% das cadeiras, ainda que sejamos 52,5% do eleitorado.

Não, senhor presidente. Não estamos praticamente integradas à sociedade. Ainda que venhamos ocupando posições de maior destaque devido à qualidade de nossas pesquisas, invenções, descobertas e patentes, representamos cerca de um terço da população científica brasileira. Aliás, senhor presidente, ainda que sejamos, na média, mais escolarizadas e tituladas, ainda somos minorias em eventos, congressos, cursos e palestras. O senhor deveria desconfiar dessa realidade amarga e autoevidente, já que palestrou em evento sobre a participação feminina na política. Evento no qual todos os palestrantes foram homens.

Não, senhor presidente. Não estamos praticamente integradas à sociedade. Ainda que desempenhemos as mesmas funções e com qualidade ainda superior, nossos salários ainda são cerca de um terço menores. Na pandemia fomos as mais afetadas, tendo enfrentado os flagelos do desemprego, jornadas mais extensas, sobrecarga de trabalho e desigualdade salarial. É hora de avançarmos nas agendas de educação, desburocratização, proteção social e do emprego, para revertermos esse quadro nada bonito.

Não, senhor presidente! Nós não estamos aqui só para “embelezar o ambiente, florir o debate, perfumar os ares…” Nós estamos aqui por competência, inteligência, disciplina e trabalho, apesar das dores psíquicas advindas da desigualdade que enfrentamos todos os dias. Se é certo que a sustentabilidade ganhará maior protagonismo para a reprodução produtiva e social, é forçoso ressaltar que ela tem rosto de mulher. O pilar ESG (Ambiental, Social e Governança) é feminino. Prova disso são as inúmeras iniciativas e empreendimentos sociais que, capitaneados por mulheres, têm diariamente aprimorado a vida comunitária.

Não, senhor presidente. Nós não estamos praticamente integradas à sociedade. A verdade é que nós somos, em conjunto com todos os outros grupos minoritários e majoritários, a sociedade. Nossa posição aqui, de protagonismo na construção da sociedade, se deve a uma árdua conquista e a uma série de lutas que, com esforço, competência e perseverança, foram travadas por todas aquelas gigantes que vieram antes de nós. Estamos nos ombros delas e continuaremos em nossa busca por um mundo mais igualitário, livre e justo.

Lembre, por favor, senhor presidente: o futuro, os pilares sociais, ambientais e de governança têm rosto de mulher.


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