Uma família sai de casa para celebrar uma nova vida que chega ao mundo e, por conta do braço armado do Estado, acabou lamentando a perda de seu patriarca. Poderia acontecer com qualquer um, mas o despreparo de quem deveria nos proteger, mas nos mata, atinge de verdade a uma parcela de 54% da população brasileira.
Enquanto vemos as mortes violentas recuarem em relação aos brasileiros brancos (o que é positivo, claro), vemos, semana após semana, um negro morrendo estrangulado num supermercado e uma família negra receber 80 tiros de uma tropa do exército.
80 tiros.
O que passa na cabeça de um grupo de pessoas que direciona armamento letal para um carro onde estão viajando crianças e idosos? O que levou esses 10 militares a perderem completamente a empatia e a noção de valor da vida?
O que justifica? Nada, absolutamente nada.
O que explica? Quase 400 anos de escravidão, em que o negro era apenas um objeto de trabalho, de grande valor econômico, mas de zero valor moral. E aí eu me lembro: apenas 130 anos de liberdade.
Mas, “o que eu vou fazer com essa tal liberdade” se “a carne mais barata do mercado é a carne negra”?
Um cachorro e um negro entram num supermercado. Ambos morrem. Mas só se reconhece como vítima o coitado do cãozinho, que não fazia mal a ninguém. E o negro? Bem, alguma coisa ele deve ter feito, né? Sim, nasceu negro.
Precisamos de nomes: Clautênis José dos Santos saía da igreja para casa e não pôde chegar ao seu destino final; Evaldo Rosa dos Santos saía de casa para uma festa; e Pedro Gonzaga apenas estava em um supermercado.
Que função é essa de servir e proteger? Onde está o direito de ir e vir? O que trouxe a Lei Áurea? Que liberdade é essa? O que é liberdade? Para que serve o Estado?
O Brasil está, de fato, pegando fogo, mas quem está na mira e queimando somos nós negros.